04 agosto 2025

GEOGRAFIA DO DESEJO

 

GEOGRAFIA DO DESEJO

Há uma topografia secreta
no modo como teus lábios
cartografam minha pele

não é pressa —
é percurso.

as mãos, bússolas febris
desenham trilhas
onde antes só havia espera

teu hálito,
vento quente de monções
move cortinas internas
abre portos esquecidos

os músculos se lembram
da língua como seta
da saliva como selo

não há nome para o que se dá
sem pedir,
sem recuar —
mas sabemos.

os corpos, rios que se encontram,
perdem-se em curvas
em fundos não mapeados
em sinuosidades novas
onde o prazer não é fim
mas fenda,
criação,
caminho aberto.


 

03 agosto 2025

A ILUSÃO DAS RÉDEAS

 


 A Ilusão das Rédeas

Tenho a sensação
de possuir as rédeas do destino.

Como se minhas mãos,
ainda que trêmulas,
pudessem guiar
o que é invisível.

Como se o tempo
me escutasse
quando decido avançar
ou recuar.

Às vezes,
acredito que escolho —
os caminhos,
os afetos,
as quedas.

Mas há dias
em que tudo escapa,
como um cavalo que dispara
sem aviso,
sem direção.

E eu,
mesmo fingindo controle,
sou só mais um
que cavalga o acaso
com os olhos fixos no horizonte,
tentando crer
que a vontade é força
e que o querer
pode bastar.




DE NOVO

 DE NOVO

 

e havia a chegança arredia

que trazia

para o logo e o agora

o longo charme

de braços e traços decididos.

a voz em meio à multidão

compartilhando/desfazendo sonhos.

eu

precisava compreender

saber

entender os motivos.

precisava concordar.

sem ser educado,

ou ser

sei lá.

nalgum ponto inseguro da esperança

o brinquedo se rompeu

trincou

quebrou.

não fizemos questão de recolher

os cacos

na saída

porque não queríamos

remendar tudo

de novo.

 

 

02 agosto 2025

VOZES QUE DANÇAM

  

Vozes que Dançam

A criação começa no ouvido:
um sussurro,
uma pausa,
um quase ruído.

O silêncio primeiro
é música em brasa,
antes do som nascer
na garganta da casa.

Pingos de vogais,
consoantes que escorregam,
palavras que dançam
antes mesmo que se entregam.

É preciso ouvir
com o corpo inteiro,
como quem escuta um vento
dizendo: "vem primeiro".



DEPOIS DA EUFORIA

 

Depois da Euforia

O eco dos tambores ainda paira,
mesmo quando a praça já dorme.
Pisaram os confetes com pressa,
mas o vazio ficou de mãos dadas comigo.

As ruas gritavam cor, mas meus olhos,
abafados por tanta promessa,
viam apenas o chão —
molhado, brilhante de sobras.

Dancei com a multidão sem ser notado,
fui mais máscara do que rosto,
mais silêncio do que canto,
mais ausência do que desejo.

No rastro das serpentinas, busquei sentido,
mas só encontrei retalhos de mim mesmo
perdidos entre trios, brilhos e o som
de algo que prometia ser alegria.

E quando veio a quarta-feira,
não houve cinzas —
houve um espelho.
E nele, o meu cansaço vestido de festa.


Carnaval e o Sentido

O eco dos tambores atravessava os séculos,
como se a alegria pudesse justificar o tempo.
Mas eu, partícula hesitante da massa,
perguntava: quem sou entre mil rostos?

As serpentinas cortavam o céu como perguntas,
sutilezas coloridas num mundo que afunda.
O samba, tão vibrante, deslizava no asfalto,
mas em mim era abismo que não sabia dançar.

Entre máscaras sorridentes e passos precisos,
fui o intervalo, o sem-nome, o intervalo.
Porque quem grita com todos
é também quem escuta a si mesmo com medo.

A euforia dos outros me atravessou
sem jamais me pertencer.
O sentido escorregava como serpentina molhada
entre os dedos da consciência desperta.

E quando a quarta-feira chegou,
não foi fim, nem recomeço.
Foi só mais uma pergunta,
silenciosa e eterna:
vale mesmo a pena fugir de si
em nome de um instante brilhante?


Carnaval e o Sentido (continuação)

As ruas, tão cheias de passos e batuques,
ficaram desertas quando o som cessou.
Mas o vazio — esse não partiu.
Ele sentou-se ao meu lado, sem pedir licença.

Vi sorrisos sendo desfeitos no espelho do metrô,
fantasias esquecidas nos cantos da calçada,
e pensei: será que também eu fui inventado?
Será que minha alegria era só reflexo?

No fundo do peito, uma vontade de crer,
de que algo, talvez pequeno,
tivesse sido real naquela dança.
Mas o real é duro, e nem sempre dança.

E se a festa é um disfarce coletivo,
será a solidão o único nome sincero?
Ou será que no meio da multidão
a alma apenas cochila, à espera de um toque?

Porque o corpo pode pular, girar, cantar,
mas há perguntas que pulsam em silêncio:
Por que o riso exige tanto esforço?
E por que o silêncio é tão pesado depois?

01 agosto 2025

SÚBITA ORDEM DO CORPO

 Súbita Ordem do Corpo

Foi porque meus lábios – ah, esses traidores de carne, esses cúmplices do que não se diz – prenunciaram. Prenunciaram a tanta batalha de ser contrário ao cérebro, essa fortaleza de negações e cautelas. O cérebro, essa máquina de calcular riscos, essa voz que insiste em afirmar, com uma teimosia quase infantil, que não. Que o momento não se fazia, que o instante não estava preparado. Como se o preparo pudesse ser planejado, como se o desabrochar da vida obedecesse a calendários.

 

E então, sem alarde, quase em rendição, quedaram-se. Ficaram mudos, inertes, lábios e pensamentos apressados. Aquela ânsia, que era uma sede primária de tanto se entregar. Entregar-se à procura dos arrepios, que são a linguagem mais antiga da pele. Dos movimentos desconexos, que são a coreografia do abandono. Dos prazeres da pele, sim, mas também do corpo mais profundo, aquele que reside além da forma, no cerne da própria sensação. Era um silêncio que clamava por um outro tipo de conhecimento, um saber que a mente não alcança.

 

E refeitos, não da batalha, mas do susto causado pela epifania. Pelo súbito descobrir o momento. Um momento de puro encantamento, de uma beleza que é um louvor que se faz ao prazer. E nesse desvelar, não foi o cérebro, que se fizera tímido e retido, que voltou a comandar. Quem passou a dar ordens, com uma autoridade que brotava da própria essência, foi a um só tempo lábios e mãos. Despudorados, sem a menor hesitação, não se permitiam censuras. Pois o corpo, quando fala a sua verdade mais íntima, não conhece a linguagem da vergonha. E essa verdade, quando irrompe, é um dilúvio que transborda toda a razão.

NADA A COMENTAR

 Nada a comentar

 

A solidão do vazio,

o eco mudo da tela branca.

As palavras, fugidias,

escondem-se em cantos escuros

da mente.

 

O silêncio é a paisagem

onde os pensamentos se perdem.

Não há fio, nem teia,

apenas o nada que se estende,

infinito.

 

Talvez a poesia

seja o ato de calar,

de contemplar o não-dito,

a beleza crua

da ausência.

PREFÁCIO

  

Prefácio

Vicente Siqueira não escreve para explicar o mundo.

Escreve para atravessá-lo.

Seus poemas são fragmentos de pensamento, 

vertigens de sentimento, 

lampejos de silêncio.

Aqui, cada palavra tropeça, 

cada ideia corre, 

cada instante é uma tentativa de tocar 

aquilo que sempre escapa: 

o ser.

Um livro para quem já amou, 

já duvidou, 

já perdeu o chão — e, 

mesmo assim, 

seguiu escrevendo dentro de si.



 

Perdoei quem fui


Olhei pra mim
aos sete anos,
com os joelhos ralados,
a testa quente,
e a culpa maior que o corpo.

ela achava
que tudo era por causa dela:
a briga,
o silêncio,
a ausência.

carregou culpas pequenas
como se fossem eternas.

e eu, adulto agora,
quase esquecido dela,
voltei.

não com respostas,
mas com colo.

segurei sua mão suada,
e disse:
“você não precisava ser perfeita.”

ela chorou.
eu também.

porque só agora entendi
que o perdão mais difícil
é aquele que a gente se nega
desde sempre.

e naquele abraço sem tempo,
perdoei quem fui.
deixei cair
o peso que nunca foi meu.

e pela primeira vez,
crescer
não doeu tanto.




A mais rara e mais bela de todas

Não era ouro,
nem glória,
nem o instante perfeito congelado em fotografia.

era outra coisa.
mais leve.
quase invisível.
feito respiração entre palavras.

talvez fosse o momento
em que duas mãos se tocam
sem saber direito por quê.

ou o silêncio
que não pesa —
só acolhe.

era o não dito
que ainda assim dizia.
a lágrima que caía
sem vergonha nenhuma.

era quando a dor se sentava
ao lado da esperança
e as duas assistiam
ao mesmo pôr do sol.

não brilhava,
mas acendia por dentro.
não doía,
mas também não fingia.

a mais rara e mais bela de todas
não se posta,
não se vende,
não se ensina.

só se vive.
por segundos.
por dentro.
e depois,
fica.


 Distância não apaga

Dizem por aí
que a distância apaga sentimento,
que o tempo arrasta tudo
pro fundo do mar da memória.

mas olha —
essa é uma das maiores mentiras da história.

porque a distância não apaga.
ela limpa.
ela decanta.
ela tira o barulho em volta
e deixa só o que é mesmo sentimento de verdade.

e aí, quando tudo silencia,
eu percebo:
o que já parecia grande
é maior que um gigante.

é presença que não precisa de presença.
é nome que ecoa mesmo quando ninguém chama.
é carinho que não precisa de motivo novo.
é amor que não entende de geografia.

o tempo passa,
a cidade muda,
a gente finge que esqueceu —
mas o coração tem jeito próprio
de guardar o que foi puro.

e por mais que o mundo repita
que a distância esfriou,
a verdade é que ela só me mostrou
que o teu lugar em mim
não era provisório.

era raiz.




 De longe

mesmo querendo te abraçar no final
e comemorar o teu sucesso
como quem torceu em silêncio desde o começo,
eu fico quieto.
parado no canto da plateia,
boca cheia de aplauso contido,
coração meio descompassado.

não é inveja,
nem amargura.
é só que
eu não me sinto parte.

não da festa,
nem da conquista,
nem do caminho até aqui.
parece que criei um enredo onde
minha cena foi cortada na edição final.

e tudo bem.
às vezes a gente ama de fora mesmo.
de longe.
com os olhos.
com uma prece baixa.

porque estar feliz por você
não apaga a ausência que ficou em mim.
mas acalma.

e talvez isso seja o que restou
— e talvez
seja o suficiente por hoje.




 Problema meu

Eu sei.
isso é um problema meu,
inteiramente meu.
fui eu que li mapas onde você só rabiscou distraída,
fui eu que dei nome a ruas que não levavam a lugar nenhum.

Então,
antes que o refrão recomece,
antes que a ponte musical me iluda de novo,
eu prefiro fugir no final da canção —
mesmo querendo ficar.

Não por orgulho,
não por drama,
mas porque aprendi a não insistir em danças
onde só eu conheço os passos.

Meu adeus vai ser baixo,
como quem sai de fininho
de uma festa onde ninguém notou que chegou.

E tudo bem.

No repeat da memória
vou lembrar mais do que foi bonito
do que do silêncio entre uma estrofe e outra.

Porque, no fundo,
algumas canções são feitas pra tocar só uma vez.
e isso não tira delas a beleza
— só a ilusão de que durariam pra sempre.


 

Talvez eu me dê uma importância

Talvez
eu me dê uma importância na sua área afetiva
que você nunca me deu.

talvez
eu more em um cômodo do seu coração
que nem existe.
talvez eu tenha inventado a chave,
a porta,
e até a planta da casa.

talvez
eu tenha lido sorrisos como sinais,
mensagens como promessas,
silêncios como espaço reservado.

no fundo,
talvez você só tenha me deixado passar,
como quem segura o elevador pra alguém estranho —
educado, mas sem destino comum.

talvez eu tenha feito altar
onde você só estendeu a toalha do café.
talvez eu tenha sonhado à beça
num campo onde você só encostou pra descansar.

e tudo bem.
não é erro seu.
não é maldade minha.
é só desencontro de sintonia —
a velha arte de supor reciprocidade
em ondas diferentes.

talvez eu me dê uma importância
que não tenho.
mas olha:
a minha parte foi sincera.
e às vezes, isso basta
pra seguir em paz.

A MÁQUINA DA ESPERA

 

A Máquina da Espera

Já não se trata mais de "se",
mas de "como".
O tempo, que sempre foi prisão e mistério,
agora se oferece como trilha —
invisível, mas mapeada
pelas equações de quem ousa sonhar com o impossível.

Michio Kaku, com seus olhos de futuro,
diz que não é mais ficção:
é engenharia.
A mesma que nos levou ao céu,
que pousou o homem na lua,
agora sussurra ao ouvido dos séculos:
"prepara-te, relógio, tua prisão vai ruir."

Buracos de minhoca, campos quânticos,
curvas da relatividade —
são os novos ventos nas velas de um barco
que navega não no mar,
mas na própria estrutura do espaço.

Falta-nos energia, dizem.
Mas quando foi que a falta
impediu o voo?
Quando foi que o medo
venceu o fogo da invenção?

A viagem no tempo talvez ainda more
nos laboratórios do pensamento,
mas o tempo —
o próprio tempo —
já se pergunta
quanto falta
para ser atravessado
não por sonhos,
mas por passos.

31 julho 2025

LIBERTANDO SUAS VOZES

  

Libertando Suas Vozes

Houve um tempo
em que as palavras dormiam em cavernas,
medrosas do mundo,
caladas em mim.

eu andava com o peito cheio,
mas os olhos vazios.
um semáforo interno sempre no vermelho.

até que um dia,
uma fresta se abriu —
pequena, tímida, mas infinita —
e dela saíram
minhas vozes esquecidas:

as que cantavam sem medo,
as que choravam sem vergonha,
as que gritavam para não desabar,
as que apenas sussurravam "estou aqui".

libertar as vozes
é aceitar que se é
muitas.
confusas,
contraditórias,
vivíssimas.

e que ser inteiro
é ser incompleto sem medo.

por isso, hoje,
não amarro mais as palavras:
eu as solto,
eu as entrego,
eu as deixo viver
como vento
sobre mim.



PELE E MADRUGADA

  

PELE E MADRUGADA

(VERSÃO LÍRICA)

A pele se expõe à luz tênue,
tocando a quietude da madrugada,
quando tudo ainda está por dizer,
mas o corpo já sabe o que quer.

Entre os poros, o peso das horas
que se arrastam devagar,
enquanto o mundo adormece,
o silêncio é profundo e pleno.

O toque da noite é sutil,
quase imperceptível,
como um suspiro que se dissolve no ar,
perdido entre o que é e o que nunca foi.

Não há palavras.
Só a respiração,
o ritmo que não se apressa,
um movimento sem direção,
uma busca constante por algo intocado.

A madrugada veste o corpo
como um manto invisível,
e a pele, agora nua,
se funde com o instante
onde o tempo não é mais amigo.

E é nesse espaço vazio,
onde a ausência se faz presença,
que a pele se encontra com a madrugada
e ambos, sem se explicarem,
se tornam um só.



30 julho 2025

O PESO DO SILÊNCIO

  

O Peso do Silêncio

pode ser silencioso,
se o silêncio for o que pesa.

há vozes que se calam
não por medo,
mas por excesso.

há gestos que desistem da palavra
porque o eco já diz tudo.

e então, eu me sento,
com a boca quieta,
com o peito cheio,
com os olhos gritando mares.

não há urgência em falar,
quando o sentir transborda por si.

pode ser silêncio,
se for verdadeiramente silêncio —
um espaço denso,
um abraço mudo,
um universo inteiro
entre um suspiro e outro.

às vezes, o que mais pesa
não é o que falta dizer,
é o que já foi sentido
e permanece
sem precisar de som.




29 julho 2025

A VONTADE DE CHORAR

 

 A Vontade de Chorar

e houve a vontade de chorar,
sem drama,
sem anúncio,
sem plateia.

só eu,
e a vontade,
sentados lado a lado,
como velhos conhecidos
que se olham e não dizem nada.

não era tristeza de novela,
nem alegria rasgada —
era apenas um excesso de sentir,
um rio querendo transbordar
sem pedir desculpas.

houve a vontade de chorar,
e eu não corri.
não lutei.
não escondi.

deixei o peito ficar pesado,
deixei o tempo se arrastar,
deixei o mundo seguir
enquanto eu aprendia a ser frágil
sem vergonha.

PORQUE ÀS VEZES 

CHORAR NÃO É FRAQUEZA -

É SIMPLESMENTE

UM JEITO DE CABER EM SI MESMO




28 julho 2025

E HOUVE O CHORO

  

E Houve o Choro

e houve o choro,
sem aviso,
sem piedade,
sem explicação.

um nó na garganta
que já era velho
cansou de ser nó
e virou rio.

não era bonito,
não era feio —
era só urgente.

o corpo sabia,
antes da razão,
que havia algo a lavar.

e eu deixei.
deixei a enxurrada romper,
deixei a voz falhar,
deixei o rosto se perder.

porque às vezes o que salva
não é ser forte,
é ser água.

e naquele instante,
eu fui água,
eu fui choro,
eu fui inteiro.




27 julho 2025

EXPLOSÃO ANTIGA


 Explosão Antiga

A vontade de chorar
já era velha,
morava quieta
no canto dos dias.

dormia entre os dentes,
se escondia nos olhos,
fingia ser esquecimento.

mas um dia,
sem mais disfarces,
ela explodiu.

não em soluços pequenos,
não em lágrimas tímidas,
mas em rios —
fortes,
impossíveis,
indomáveis.

o peito desaguou,
a alma transbordou,
o mundo inteiro ficou molhado.

e foi nesse dilúvio íntimo
que descobri:
algumas dores não morrem,
elas esperam o momento
de virar água
e finalmente
partir.



26 julho 2025

VELHA EXPLOSÃO

  

Velha Explosão

A vontade de chorar
era velha.
rancorosa, quieta, esquecida.

até que um dia
não coube mais.

rasgou meu peito,
rompeu meus olhos,
virou rio,
virou grito,
virou nada.

e eu,
afogado em mim,
fiquei vazio
pela primeira vez.



25 julho 2025

O SOM DA CURA

 

 O Som da Cura

E ouvi o choro —
não de fora,
mas de dentro.

um choro rouco,
antigo,
feito de palavras que nunca nasceram.

e ouvi o choro
sem medo,
sem pressa,
sem fuga.

depois,
entre uma lágrima e outra,
houve um silêncio.
um silêncio novo,
que não doía mais.

e nesse espaço limpo,
nesse eco sem peso,
ouvi —
pela primeira vez —
a cura.

não veio em forma de grito,
não veio em promessas brilhantes,
não veio em festa.

veio em sussurro,
veio em leveza,
veio em mim.




23 julho 2025

HOUVE O CHORO, HOUVE A CURA

 

Houve o Choro, Houve a Cura

houve o choro.
não disfarçado,
não negado.
chorou-se tudo:
as dores antigas,
as saudades escondidas,
as raivas sem dono.

houve o choro —
e com ele, o desabar necessário,
o despir da alma,
o alívio bruto.

depois,
houve a cura.

não de repente,
não com fogos de artifício.
veio como vem a manhã:
devagar,
suave,
certa.

e ali, onde antes era só cansaço,
nasceu um espaço novo.
leve,
vivo,
possível.

houve o choro.
e porque houve o choro,
houve a cura.


22 julho 2025

O ECO E O ESPAÇO

 

 O Eco e o Espaço

E o espaço era limpo,
como quem varre a alma
de tudo o que foi peso.

não havia móveis velhos,
nem retratos gastos,
nem vozes demais.

só o vazio.
só o branco.
só o respirar.

e no meio desse espaço limpo,
o eco.
não um eco leve,
não um eco esquecido —
mas um eco com peso,
com memória,
com carne.

o que eu dizia voltava para mim,
cheio de verdades que eu temia ouvir.

e o espaço, tão limpo,
não escondia nada.

e o eco, tão pesado,
não perdoava mentira.

entre o silêncio e o som,
eu me encontrei.
e me perdi.
e me encontrei outra vez.